Núcleos pré-fabricados em betão armado

Caso de Estudo: Núcleo pré-fabricado formado por painéis maciços 

O atual paradigma do setor da construção, com o crescente aumento do custo das matérias-primas e com prazos de conceção e execução cada vez mais exigentes, aliados à escassa mão de obra, cuja disponibilidade tem vindo a decrescer ao longo dos anos, acentua a urgência da industrialização do setor da construção. 

A produção em fábrica permite o desenvolvimento de processos mais eficientes – com maior racionalização das matérias-primas, maior controlo de qualidade, executada por trabalhadores mais qualificados com melhores condições de trabalho – que aliados à maior automatização e repetição de tarefas resultam em soluções economicamente mais vantajosas e de qualidade superior. 

As estruturas em betão pré-fabricado são utilizadas em Portugal há vários anos, mas, apesar de não serem uma novidade, centram-se particularmente em soluções para obras de arte (pontes e viadutos) e edifícios industriais porticados.  

Não existe em Portugal tradição de construção de edifícios multipiso com soluções integralmente pré-fabricadas. Tipicamente, em edifícios deste género, utilizam-se núcleos de betão rígidos concebidos para resistir às ações horizontas a que o edifício está sujeito. Do ponto de vista do comportamento estrutural é conveniente que este núcleo seja monolítico e, por esse motivo, é na maior parte dos casos betonado in situ de forma tradicional. 

Na construção de um edifício com recurso a elementos predominantemente pré-fabricados, a betonagem do núcleo in situ acaba por condicionar muitas vezes o caminho crítico da obra, reduzindo a expressão de uma das principais vantagens da construção pré-fabricada: a rapidez de construção. 

1. Descrição do caso de estudo 

Para efeitos deste trabalho propõe-se um caso de estudo hipotético (não se trata de um caso real). O edifício a ser estudado é composto por seis pisos, tem uma altura total de 18.00 m e uma área de implantação de cerca de 325 m2 (Figura 1). 

Figura 1 – Descrição do edifício que é alvo deste estudo. 

2. Mapa de cargas 

2.1 Ações permanentes e sobrecargas de utilização 

No que diz respeito à sua utilização específica o edifício enquadra-se na Categoria A conforme definida pelo Quadro 6.1 da EN 1991-1-1: atividades domésticas e residenciais. 

Consideram-se para efeitos deste estudo as cargas abaixo descritas: 

Gk  Peso próprio dos elementos estruturais.   
ADL  Restantes cargas permanentes  3.00 kN/m2 
Qk (A)  Sobrecarga de utilização (pisos)  2.00 kN/m2 
Qk (H)  Sobrecarga de utilização (cobertura)  0.40 kN/m2 

2.2 Ações horizontais

A ação horizontal mais gravosa é a ação do sismo. Para efeitos deste estudo consideram-se dois cenários a) e b), conforme abaixo descrito: 

a) Sismo zona Norte (Braga) 

b) Sismo zona Sul (Lisboa) 

3. Considerações relativamente à definição do esquema estrutural 

3.1 Rigidez lateral do edifício 

Assume-se que os pilares não têm como função resistir às ações horizontais a que o edifício está sujeito. O núcleo central que forma caixa de escadas / elevador é, portanto, o único responsável por conferir rigidez lateral ao edifício. 

3.2 Diafragmas rígidos e indeformáveis 

Admite-se que os elementos estruturais que formam as lajes dos pisos do edifício funcionam como diafragmas rígidos e indeformáveis. 

4. Seccionamento do núcleo em elementos de dimensões menores

Tendo em conta as operações de levantamento, transporte, montagem o núcleo de betão armado pré-fabricado foi divido em elementos de dimensões menores (Figura 2). Limita-se o peso de cada elemento a um valor máximo de 15 ton. 

Figura 2 – Seccionamento do núcleo em elementos de dimensões menores. 

5. Sistema de levantamento 

Dada a dimensão dos elementos e a dimensão das cargas a elevar, sugere-se um esquema de levantamento fixo em quatro pontos e com viga de distribuição (Figura 3). 

Considerando uma força máxima em cada ponto de fixação de 2750 kg (10990 kg / 4) e inclinação máxima do tirante igual a 45º, seleciona-se o sistema Straight Tail da Philipp que, de acordo com as tabelas de dimensionamento da marca suporta até 8000 kg. 

Sistema de levantamento. 

Figura 3 – Sistema de levantamento. 

6. Modelo de cálculo 

A estrutura do edifício foi modelada com recurso ao software Robot Structural Analysis. 

De forma considerada conservativa optou-se por desligar a transmissão de momentos fletores entre todos os diferentes painéis de parede pré-fabricados que constituem o núcleo de betão armado, assumindo rótulas nessa interface (Figura 4). 

Modelo Robot Structural Analysis do edifício que constitui o caso de estudo.

Figura 4 – Modelo Robot Structural Analysis do edifício que constitui o caso de estudo. 

7. Ligação entre painéis de parede 

7.1 Mecanismo funcionamento e de transmissão de esforços 

Os painéis de parede pré-fabricados que compõe o núcleo devem comportar-se como um elemento único composto por vários subelementos (Figura 5). Esta interação estrutural entre elementos tem que ser assegurada por ligações capazes de resistir às forças de corte, tração e compressão instaladas entre os diversos painéis de parede. 

Forças instaladas nas interfaces entre os painéis pré-fabricados que constituem a parede.

Figura 5 – Forças instaladas nas interfaces entre os painéis pré-fabricados que constituem a parede. 

8. Junta horizontal 

Cada junta horizontal é estrategicamente divida de em duas zonas distintas, de acordo com o esquema apresentado na Figura 6: a) destinada a resistir ao momento fletor, através de um binário tração / compressão; b) destinada a resistir à força de corte. Esta separação de esforços permite simplificar o procedimento de cálculo. 

Mecanismo de transmissão de cargas ao longo da junta horizontal do painel de parede.
Figura 6 – Mecanismo de transmissão de cargas ao longo da junta horizontal do painel de parede. 

Os varões de aço que resistem aos esforços de tração e de corte acima descritos são ancorados diretamente em um dos elementos de parede (neste caso o que se posiciona inferiormente) e indiretamente no outro em bainhas de aço corrugadas (semelhantes às que se usam no pré-esforço) que são depois preenchidas com grout (Figura 7). 

Sistema de ligação entre os painéis de parede pré-fabricados, ao longo da junta horizontal. 
Figura 7 – Sistema de ligação entre os painéis de parede pré-fabricados, ao longo da junta horizontal. 

9. Junta vertical 

Os esforços de corte máximos na junta vertical (Figura 8).

Mecanismo de transmissão de forças de corte ao longo da junta vertical. 
Figura 8 – Mecanismo de transmissão de forças de corte ao longo da junta vertical. 

O processo de seleção do sistema utilizado para materialização da junta vertical foi um processo iterativo.

9.1 Juntas alternadas 

A solução de juntas alternadas (Figura 9) apresenta-se aqui como sendo a de maior potencial do ponto de vista da facilidade de fabrico dos elementos pré-fabricados, da simplicidade de colocação dos elementos em obra, do comportamento estrutural e, como consequência, do custo da solução. 

Núcleo composto por elementos pré-fabricados com juntas alternadas.
Figura 9 – Núcleo composto por elementos pré-fabricados com juntas alternadas. 

Os painéis de parede têm formas simples (neste exemplo propomos painéis com traçados retilíneos em vez de painéis em C como na solução exposta anteriormente), não existem varões de aço salientes o que facilita os trabalhos de fabrico da cofragem e de colocação dos elementos pré-fabricados em obra, as betonagens em obra reduzem-se à injeção de pequenas quantidades de grout em bainhas corrugadas de diâmetros reduzidos, a resistência da junta vertical ao corte é elevada.

No entanto, alguma bibliografia refere-a como uma solução pouco estudada, com poucas certezas relativamente à rigidez da ligação e ao seu funcionamento propriamente dito.

A chave para o sucesso do funcionamento de um núcleo pré-fabricado reside na correta seleção, especificação, dimensionamento e detalhe das ligações entre os painéis que o compõem.

9.2 Ligações horizontais entre painéis 

As ligações horizontais entre painéis não representam normalmente um desafio. O sistema descrito em capítulo anterior é competente do ponto de vista estrutural ao mesmo tempo que não impõe dificuldades ao processo de instalação. 

9.3 Ligações verticais entre painéis 

O maior desafio está na materialização de juntas verticais competentes. Nas ligações verticais a força predominante é de corte. Para cada caso a solução a implementar deverá ser escolhida em função da dimensão dos esforços a atuar nessa junta. A dimensão das ações horizontais a que o edifício está sujeito pode condicionar a viabilidade da utilização de uma solução pré-fabricada.  

9.4 Núcleos pré-fabricados em betão armado formados por double walls 

A utilização de double walls para formação dos painéis que constituem um núcleo pré-fabricado em betão armado pode apresentar-se como uma solução para fazer face a alguns problemas dos sistemas descritos nos capítulos anteriores. Em vez de painéis maciços utilizam-se painéis ocos. O espaço vazio no interior destes painéis é preenchido in-situ com betão, mas dispensando a utilização de cofragem em obra. Os painéis pré-fabricados são significativamente mais leves o que facilita as operações de transporte e manuseamento destes elementos. As conexões entre painéis são materializadas em obra (conforme Figura 10) permitindo sistemas de ligação muito competentes.

Figura 10 – Juntas verticais entre painéis construídos com recurso ao sistema double walls. 

10. Bibliografia

[1] Tolsma, K. V. (2010): Precast concrete cores in high-rise buildings. Structural behaviour of precast corner connection. (Master Thesis) 

[2] Harsh R. Sanghvi1, Mazhar, A. Dhankot (2015): IJRET – Analysis of precast shear wall connection. 

[3] Elliott, Kim S (2017): Precast concrete structures 

[4] Report of a study Group of the New Zealand Concrete Society (1999): Guidelines for the Use of Structural Precast Concrete in Buildings – second edition. 

[5] Semiha Kaya, Delvin Salim (2017): Shear Stiffness and Capacity of Joints Between Precast Wall Elements. 

[6] Eduardo Gonzalez Albarran (2008): Construção com Elementos Pré-fabricados em Betão Armado – Adaptação de uma Solução Estrutural “in situ” a uma Solução Pré-fabricada. 

Artigo de João Morgado Eira, projetista da TopBIM.

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